Ela espremeu o máximo que pode. Não tinha jeito. Por mais que claramente ainda tivesse pasta de dente dentro do tubo, não importava o quanto ela apertasse, não saía mais. Era hora de jogar fora e comprar uma pasta de dente nova. Não entendia porque não podia usar todo o creme dental, tendo vontade de cortar o tubo ao meio e raspar até não sobrar nada. Maria era assim: não aceitava os finais.
Era uma segunda-feira e ela tinha acabado de almoçar, escovava os dentes enquanto se preparava para ir ao colégio. Estava no último mês do último ano do ensino médio e tudo que conseguia pensar no momento era sobre a maldita pasta de dente. O que Maria não sabia que tentava entender era como aquilo se relacionava também com a sua vida, com o fim de um ciclo que estava se aproximando, porque para Maria a vida era um ciclo só. Ela nascia, crescia, ia para a faculdade, casava, envelhecia e morria. Não percebia que pelo caminho existiriam muitas pastas de dentes que ela não iria conseguir espremer até o final.
Maria gostava muito de matemática e queria estudar isso na faculdade, para ser professora. Até onde ela sabia, tudo na matemática tinha uma resposta e ela gostava dessas certezas. Queria estudar na universidade perto de casa, para poder continuar morando com a mãe. Desde a comida gostosa que ela fazia até o chimarrão do fim da tarde, sempre foram a companhia uma da outra. Do pai de Maria ninguém sabe, ela nunca chegou a conhecer ele e, por não conhecer, falta não sentia. Mas ela sabia que sua mãe sentia a falta e, mesmo sem entender, queria ficar por perto para que dela essa falta não existisse.
Bianca e Géssica eram suas grandes amigas desde o início da escola. Enquanto ela queria ficar por perto, as duas buscavam outras opções. Assim que se formassem do ensino médio mudariam para outra cidade, atrás de coisas que não importavam para Maria. “Não tem emprego pra mim nessa cidade” dizia Bianca, que sonhava em ser jornalista e aparecer na televisão, como uma grande repórter independente. “Não tem homem pra mim nessa cidade” dizia Géssica, que queria cursar alguma engenharia, pois sabia pelo seu primo que era onde mais teria chance de encontrar algum namorado.
“Mas nessa cidade tem eu” pensava Maria, sem entender como suas amigas podiam abandonar ela justo nesse momento em que ela mais iria precisar delas. Não conseguia espremer elas da mesma forma que não conseguia espremer a pasta de dente, e o que ficava nelas era justamente o que faria falta para Maria. A gente nunca consegue ter contato com todos os pedaços de uma pessoa e é dai que a saudade vem. O que o outro leva consigo quando a gente se separa é aquilo que marca profundo na nossa alma, gerando um vazio que não pode ser preenchido de outra forma.
Maria nunca namorou ninguém porque não achou ninguém que fazia seu coração pensar “para todo sempre”. Ela não entendia como a Géssica se envolvia todo semestre com alguém diferente, se apaixonando a cada esquina. Nem como a Bianca, que estava há dois anos com o mesmo namorado, podia pensar em terminar quando se mudasse de cidade. Para Maria, se fosse amor de verdade, não teria fim.
As meninas explicavam pra ela como entendiam que as relações eram algo do momento. Que cada paixão, durando o tempo que durar, era mais sobre ver o outro como uma companhia do que como uma eternidade. Mas nem elas sabiam que sabiam que todas as relações são faltas em si mesmas. O que nos atrai no outro é o que não podemos ter, nem agora e nem pra sempre, e por isso é tão cativante.
Para Maria, isso causava medo. Não poder preencher um espaço que pra ela nem existia, pois não dava chance de se abrir, fazia com que se fechasse cada vez mais. E assim ela seguia sua vida, com suas falsas certezas estabelecidas.
“Ô, minha filha, vai se atrasar pra aula” gritou de longe a mãe de Maria.
“Já vou, mãe” gritou de volta Maria, com a boca cheia de espuma. Terminou de escovar os dentes e, com pesar, jogou o tubo da pasta de dente fora.
Incrível! Amei <3