O último texto que eu havia começado a escrever era sobre saudade. Desisti no meio, não porque deixou de fazer sentido, mas porque o sentimento era tão grande que não cabia ali. Em uma passagem havia escrito: “Não tinha dúvidas de que cada momento que havia passado era único e não voltaria e isso trazia um peso imensurável dentro de si. Sentia saudades até do que ainda não havia vivido, antecipando o sentimento que se faria presente”. Mas não sei mais se saudade é a palavra certa para o sentimento do que não se viveu. Há três dias minha avó faleceu. O peso que fica é de todas as expectativas que eu nem sabia que existiam. Fico triste por não poder apresentar um bisneto pra ela. Fico triste por não poder levar a ela alguém que amo e desafiar numa partida de três setes. Fico triste por não poder ouvir histórias que eu nem sei qual são, mas sei que estavam ali. Não poder comemorar com ela a minha formatura, não poder mostrar pra ela meu apartamento novo, não poder ouvir mais suas lições. Não poder levar ela viajar pra fora do país e me acompanhar em alguma aventura. Tantas possibilidades que ficam perdidas no que nunca foram e no que nunca mais vão ser. Três semanas atrás a pauta da minha terapia foi sobre luto e sobre expectativas. Do luto, eu ainda estava tentando descobrir. A gente passa por vários lutos dentro da nossa vida e cada fim traz a possibilidade de um novo fim. É meio desesperador. Ter a morte tão perto da gente faz ver como a vida é passageira e temer pela vida de outras pessoas que amamos. A vida é um emaranhado de fins e aprender a passar por eles é aprender a viver. Das expectativas, eu cheguei a dizer em voz alta que não tinha nenhuma. Em menos de um minuto meu terapeuta me fez perceber que não só tenho, como tenho muitas, em todas as áreas da minha vida. Mas elas se escondem no dia a dia pra me proteger. Porque cada expectativa quebrada é um outro fim, que carrega consigo o peso de um luto. Aprender a viver é conseguir atravessar os infinitos lutos mesmo sabendo que eles justamente são infinitos. Na Dinamarca eu aprendi a palavra “forventningafstemme”. Numa tradução seria “alinhamento de expectativas”. Eu levei como um mantra para as minhas relações pessoais, acho que manter as expectativas alinhadas dentro de qualquer relacionamento pode apenas gerar menos decepções. Mas quero também levar para dentro da minha vida. Alinhar minhas expectativas com o possível que a vida tem pra me oferecer. Não deixar minhas expectativas grandes demais tomarem conta. Trazer para o consciente quais elas são e entender de onde elas vem. Eu nem sei se quero ter filhos e fiquei triste por não ter uma criança chamando minha avó de bisa. Eu nem pretendo fazer uma festa de formatura e fiquei triste por não poder ter minha avó presente. Alinhar minhas expectativas com o que a vida me traz como verdade é uma maneira de diminuir as decepções que expectativas soltas demais podem trazer. Não diminui o sofrimento, porque tem coisas que não podemos controlar, mas torna ele mais suportável.
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oi, gabriela! como você está?
perdi meu avô há dois anos e teu texto me lembrou muito de como foi o período mais triste do luto (e ele volta de quando em vez, com lembranças boas e uma saudade apertada).
espero que você encontre muita força nesse momento difícil.
obrigado pelo texto :)
que lindo, amiga. te amo muito. força <3